A TERNURA E A CRUEZA Paulo Sergio Duarte Essa exposição resume seis décadas de trabalho de um dos mais marcantes fotógrafos brasileiros contemporâneos. A obra de Pedro de Moraes se desenvolve em diferentes direções simultaneamente. Vejamos os diversos movimentos de seu olhar na seleção do artista e de Lucas Zappa. Temos fotos de amigos e familiares, retratos de artistas, poetas e escritores, reportagens de manifestações políticas contra a ditadura, preciosos instantâneos dignos da melhor tradição desse gênero. Enfim, temos uma multidão de experiências artísticas. Mas essa multidão não está solta, quem a sustenta é o centro de gravidade do olhar de Pedro: a atenção para os mais humildes e os excluídos da sociedade. A atenção desse centro de gravidade não é neutra, está envolvida por uma vaga de afeto na qual predomina a ternura. Há um verdadeiro domínio do carinho nesse olhar quando se dirige às vítimas da brutalidade de uma sociedade autoritária, violenta e muito desigual, aquele mesmo sentimento com o qual flagra os amigos. Mas esse afeto se transforma, por exemplo, quando documenta os atos da repressão policial nas manifestações de rua de 1968. O olhar se torna cru, dotado de um realismo participante. Registra, com coragem, o interior do fato. Dessa forma, somos chamados a apreciar o que vemos sem neutralidade; mesmo no distanciamento crítico, este se engaja, com carinho ou de forma crua. Observem e pensem como as crianças pobres são fotografadas, sozinhas ou em grupo, a ternura sempre presente; depois olhem o soldado da PM acossando um manifestante que tem as mãos à cabeça, nesta o fotógrafo está a curtíssima distância do fato, ao alcance do policial, crua e corajosa, é direta, a câmera está à altura do acontecimento. Agora, vejam a que dá título à exposição – Pic-Nic no Front –, um estudante queima uma bandeira dos Estados Unidos, cena banal naquela época, mas o artista escolhe hora e local, trata-se de uma janela na antiga sede da UNE – União Nacional dos Estudantes – na praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, hoje já demolida. Na fachada está escrita o nome da peça teatral, seus dias e horário. Na verdade, na exposição existe outra imagem da mesma janela, com a mesma inscrição, na qual estão presentes dois conhecidos líderes estudantis, Elinor Brito e Vladimir Palmeira. O que as diferenciam de tantas outras? Estão em contre-plongée, se quiserem em italiano, di sotto in sù. O artista sabe o que está fazendo, o sentido do ângulo que enaltece o fato. Não por acaso Pedro de Moraes foi diretor de fotografia de cinema. Não podemos deixar de lembrar que todos os originais são analógicos. Foram realizados com dois equipamentos que muitos jovens desconhecem, as câmeras Leica M, para as fotos em 35 mm e uma tradicional Rolleiflex para as fotos 6 x 6 cm. Parece que não faz diferença, hoje, quando tantas coisas maravilhosas são possíveis com os recursos digitais. Mas imagine você, cada vez que colocasse um filme numa câmera 35 mm, ter no máximo 36 imagens disponíveis para captar, 12 numa 6 x 6, e, esgotadas, abrir a câmera e trocar o rolo de filme. Algum jovem, hoje, pode imaginar esse mundo? Tinha-se que pensar muito antes de clicar. Ah! Ia me esquecendo porque acho que todos sabem. Pedro é filho de Tati e Vinicius de Moraes, isso tanto facilita quanto dificulta a coisa toda. E virão outras fotos de sua vida em Algodões, Maraú, Bahia. Rio de Janeiro, 24 de junho de 2019.